sábado, 5 de janeiro de 2013







DE VIOLÃO NAS COSTAS

Meu pai é músico. É por isso que eu tenho vinis do Jhonny Winter, Jimmi Hendrix, Rolling Stones. Por causa desta influência tenho outros vinis também além dos que afanei dele. Em 1983, quando eu nasci, meu pai achando que eu fosse me chamar Luis Filipe, me comprou um violão, um Di Giorgio de madeira belíssimo. Depois ele achou que minha irmã fosse se chamar Marlon, comprou outro violão, mas nasceu Helena. Quando a Mariana, terceira filha nasceu, ele não arriscou mais nomes de homens e parou de comprar violões. Se conformou em ter três filhas. Tentou me ensinar violão e o máximo que aconteceu foi eu saber cantar um pouco, ser mais ou menos afinadinha. Do instrumento sei alguns acordes que saem abafados quando os tento. Logo começa a machucar os dedos e já desisto. A inteligência musical é uma das mais rebuscadas que tem, dizem , e eu acredito nisso. Devo ter herdado um pouco esta inteligência, mas não a disciplina que um instrumento exige. Como o violão é muito bonito pensei em consertá-lo para botar na estante da sala, assim quando vier visita que toca, eu canto. E quando não tiver ninguém em casa, eu tento uns acordes.
Levei por recomendação do papai a um consertador profissional de violas, violões e guitarras na vila madalena. Meu pai não conseguia me dizer o  nome e número do lugar então tive que achar pelas características que ele me deu:
-É um japonês cabeludo, meio véio, numa casa azul na Teodoro Sampaio.
-E onde fica a casa na Teodoro Sampaio?
-É uma escada que sobe, antes da galeria.
-Escada que sobe. Qual galeria, pai?
-É… depois sobe mais outra escada, são duas escadas. Tem que ser com esse cara ele sim é bom. Ele vai dizer o que precisa fazer no violão.
- E como ele chama?
- Não sei. Mas tem que ser lá, só pode  ser lá.
O pior é que eu encontrei o lugar facilmente!  O japonês cabeludo não trabalhava mai lá. Quem me atendeu foi um senhor argentino chamado Juan.  A parte de baixo da loja tinha exposto vários instrumentos de cordas muito bacanas. A parte de cima, da segunda escada, era uma marcenaria de instrumentos. Lugar sonoro, encantador. Cheio de músicos testando, tocando. Deixei minha viola nas mãos de Juan.
Sábado a tarde depois de uns 5 dias, fui buscar a bichinha. Novinha em folha. Tinha umas esposas de músico me olhando na loja, todas tatuadas, fumavam cigarro na varanda no topo da primeira escada. Tem tipo um palco ali, talvez para as pessoas ensaiarem. Me disseram que as vezes até tem shows nesse espaço.
- Você toca faz tempo? – perguntou-me Juan com sotaque argentino.
- Sim.
- Quer testar?
- Não, não, imagine, só de olhar já dá pra ver que tá massa.
Fumei um cigarro de filtro vermelho, fiz cara de artista e segui pela Vila Madalena no sábado de sol com o violão nas costas. Comecei descendo a Teodoro Sampaio e depois subindo a Praça Bendito Calixto, lotada de gente a passear pela feirinha de antiguidades, e pelos bares e cantos dali. Então me dei conta que estava de óculos escuros do Ray Charles, coturnos pretos, calça preta e uma camiseta branca com um desenho em preto muito louco. Eu estava sendo vista como uma rockeira “madalenandante”.
Quando cheguei ao beco da vila madalena, espaço de paredes grafitadas e constante eventos culturais, percebi que haviam montado um half de skate.  Tocava ska, som perfeito para o esporte.
Conta-se pelos antigos moradores da Vila Madalena, os velhinhos que ainda conseguem dormir na badalada região, que toda a extensão que compreende os bairros Vila Beatriz, Vila Ida e Vila Madalena, pertenciam a um português. Fazenda do Rio Verde.  Quando ele vendeu os lotes para prefeitura , pôs os nomes das filhas nas divisões feitas. Mas a vila Madá, como a apelidamos, virou a preferida dos artistas. Ela ascendeu assim por causa de um bondinho que botaram nela no começo do século. Hoje um apartamento dos chiquérrimos arquitetos franceses da Tryptic, construído na região valem mais de milhões. É que os ricos seguem os artistas. Agora o bairro valorizou tanto que nenhum artista pode viver lá, mas ainda passeiam e se apresentam por ali.
Muitos deles me cumprimentavam com olhar e gesto parceiro, achando que eu fosse uma guitarrista a caminho do trabalho.
- Toca rock? – me perguntou um na rua.
- Opa!-
- MPB também?  Reggae?- fiz com a cabeça que sim!
Ele disse nome de bandas que eu conhecia e eu disse que tocava todas aquelas! Então ele constatou:
- “Nóis do som têmo que tocar tudo mêmo! Essa é a lei! Não sendo sertanejo, já era! Hahaha!”
Concordei de novo e continuei caminhando. Não estava mentindo, toco tudo isso no som de casa!  Adorei sentir o assédio de andar na Vila Madalena com figurino de guitarrista. Enquanto o sol se punha nas cores vibrantes da Vila que nascia pra noite boêmia.




                                                                                   POR[LIVIAPRESTES]



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